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[Globo Rural] Falta de recursos nas universidades federais ameaça futuro de pesquisas do agro

PESQUISA E TECNOLOGIA

Falta de recursos nas universidades federais ameaça futuro de pesquisas do agro

Cortes no orçamento têm afetado infraestrutura e já fazem com que instituições como UFLA e UFRPE admitam risco de fechar as portas até o final do ano

5 min de leitura

  • MARIANA GRILLI

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Descaso com laboratórios, falta de manutenção em equipamentos e desvalorização da ciência colocam em risco o futuro do agronegócio brasileiro.

Este é o alerta que algumas universidades federais relevantes nas ciências agrárias fazem a partir dos consecutivos cortes nos orçamentos para a educação.

Pesquisa sobre controle biológico na Koppert (Foto: Koppert/Divulgação)

Pesquisas estão sendo viabilizadas por parcerias público-privada. Na foto, mulheres em laboratório trabalham no microscópio (Foto: Koppert/Divulgação)


A Lei Orçamentária Anual referente a 2021 — sancionada em 22 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro — teve média de corte de 18,16% nos cofres das universidades, o que equivale a uma redução nominal de mais de R$ 1 bilhão — 69 instituções foram atingidas.


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Com isso, as pesquisas agropecuárias, que já vinham sofrendo redução de investimento federal, estão definitivamente ameaçadas.

 

Apenas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o corte foi de 20,2%, e as ciências agrárias representam em torno de 40% da pesquisa da universidade.

"A gente não tem garantia de se manter até o final do ano. Isso significa não conseguir abrir as portas mesmo"

Ricardo Souza, diretor do Instituto Ipê da UFRPE

“Temos nos últimos cinco cinco anos um decréscimo do orçamento para a universidade, mas que foi particularmente intensificado em 2021. Nosso orçamento para investimento, como novos equipamentos, está praticamente zerado”, explica Ricardo Souza, diretor do Instituto de Inovação, Pesquisa e Empreendedorismo da Universidade Federal Rural de Pernambuco (Instituto Ipê-UFRPE).

De acordo com ele, uma emenda parlamentar liberou R$ 150 mil para a universidade usar durante todo o ano, o que é muito aquém da quantia necessária para garantir a qualidade das pesquisas. Segundo Souza, a União tem garantido as despesas de folha de pagamento, mas todo o investimento para compra de matéria-prima e aquisição de insumos está parado.

 


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“A gente não tem garantia de se manter até o final do ano. Isso significa não conseguir abrir as portas mesmo”, ele afirma ao esclarecer que ficam comprometidas não apenas as pesquisas, mas todos os cursos de graduação e pós-graduação.

Parar as atividades também é um risco para a Universidade Federal de Lavras (UFLA), uma das mais conceituadas do país no setor agropecuário. O cenário, no momento, só não é pior porque as aulas estão acontecendo de forma remota, devido à pandemia.

"Com o recurso que tem hoje, [a UFLA] não consegue funcionar até o final do ano"

Valter Carvalho de Andrade Júnior, vice-reitor da UFLA

Valter Carvalho de Andrade Júnior, vice-reitor da universidade, conta que se as atividades presenciais estivessem acontecendo normalmente, “com certeza o recurso já estaria perto de terminar”.

“Com o recurso que tem hoje, [a UFLA] não consegue funcionar até o final do ano. Se mais recurso não for liberado para todas as universidades, vai chegar no final do ano sem conseguirmos pagar funcionários terceirizados, contas de água e luz, e isso tem reflexo direto no ensino”, lamenta.


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Para que um curso das ciências agrárias seja bem-sucedido, Fabrício Terra, diretor de pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), explica que é necessário mais do que a manutenção apenas de laboratórios.

“Existe um problema bastante sério que, para curso de agronomia, você tem que ter cuidados com lavouras experimentais, trato diário dos animais e, em muitas situações, falta o técnico para manutenção do setor”, observa.

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Impactos a longo prazo

Além das universidades, órgãos como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também foram alvo de reduções orçamentárias.

De acordo com fontes consultadas por Globo Rural, o reflexo será um prejuízo a longo prazo. O vice-reitor da UFLA relata cortes em bolsas científicas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, o que compromete a evolução da agropecuária e agrava o abandono das universidades.

"Os alunos concluem a graduação e não querem nem saber de ficar no Brasil"

Mario Luiz Chizzotti, diretor do Centro de Ciências Agrárias da UFV

“São impactos a longo prazo, sem o recurso destinado à compra de materiais e equipamentos, e a curto prazo, que é a escassez de apoio aos recursos humanos, que são os pós-graduandos”, diz. “Além de afetar a pesquisa recorrente, você afeta a próxima geração de pesquisa da agropecuária. Há um efeito múltiplo com a precarização das universidades e com certeza vai ter um reflexo negativo no agronegócio brasileiro.”

Fabrício Terra, da UFVJM, ainda lembra que todo o aparato de estudo parado significa que o principal setor da economia brasileira pode estar de braços cruzados para o avanço do mercado. “Aquilo fica parado, sem produzir nada, sem devolver conhecimento à sociedade. Essa é uma coisa extremamente grave”, comenta.


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Para Mario Luiz Chizzotti, diretor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Viçosa (UFV), a falta de fomento à ciência impossibilita que os profissionais acompanhem a evolução das pesquisas.

“Ficamos de fora da fronteira científica. Tem sido cada vez mais difícil importar material, como genética, e mais raro ainda enviar aluno para aprender uma nova tecnologia no exterior”, destaca.

Outra consequência é a evasão de cérebros — pesquisadores formados no Brasil que não conseguem avançar suas pesquisas e optam por trabalhar no exterior. Chizzotti lamenta que esse êxodo tem sido cada vez mais recorrente.

“Os alunos concluem a graduação e não querem nem saber de ficar no Brasil, ou docentes vão lecionar lá fora porque não há atratividade em ficar aqui”, relata.

Parceria público-privada

A saída para a pesquisa tem sido as parcerias público-privadas, já que empresas, majoritariamente estrangeiras, continuam interessadas em injetar dinheiro na ciência. No entanto, isso também pode estar ameaçado, conforme explica Chizzotti, da UFV.

Neste tipo de colaboração, ele esclarece que o ente privado entra com investimento financeiro para matéria-prima, mas os laboratórios de ponta e o conhecimento científico são de responsabilidade das universidades. Sem manutenção e atualização desta infraestrutura, o interesse privado também pode estar comprometido.


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“A ideia é usar nossa expertise e infraestrutura para convencer a iniciativa privada que vale a pena investir, desde que haja essa infraestrutura para ser usada em projetos de parceria. Se o recurso já não é de excelência, é lógico que esse interesse da iniciativa privada cai”, avalia.

No caso de Viçosa, ele conta que a maior parte dos recursos vêm de parcerias com a iniciativa privada e admite que é isso que sustenta as 15 fazendas experimentais. “Por isso, a situação não é tão ruim quanto outras instituições, mas esta não é a realidade da maioria”, diz.

Chizzotti ainda adiciona outro agravante decorrente da precariedade das universidades: o impacto para os municípios onde os campi estão localizados. “É óbvio que quando se reduz o número de bolsas de estudo, fomento à pesquisa, o fato de os alunos não estarem aqui é muito ruim para economia da região. Já estamos sentindo isso com a pandemia: hotel, restaurante, está praticamente tudo fechado”, conta.

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